Aventura “não” congelante

31/01/2015 00:28

Uma moça. Inverno, céu nublado, típico da capital paranaense. Ela andava pelo calçadão branco da rua XV de Novembro, observando as pessoas circulando com as bochechas queimadas por causa do frio. Às vezes ouvia um suspiro, e fumacinhas subindo por cima dos lábios. Na melhor idade, a maior idade, andava independente, com uma luz em mente e paz no coração. Passou pelo chafariz, e uma brisa trouxe gotículas geladas ao seu rosto e a seu cabelo voador, ondulado, meio longo, meio loiro, meio castanho. Botas marrons, calça de lã preta e um casaco longo, vermelho. Mãos no bolso, segurança no coração. Estava onde gostaria de estar. Onde sempre quis voltar.

E em meio aquele largo calçadão, passava por estátuas brancas e vivas, artistas desenhando caricaturas, bancos de madeira lindamente enfeitados com flores que traziam o colorido naquele preto e branco refletido pelo chão, lojas e restaurantes, banquinhas fofas de jornal, um bondinho vermelho, épico... Ela amava cada detalhe. E perdida em meio a seus sonhos e as faces humanas,  enxerga alguém. Um homem. O homem. Força seus olhos atrás das lentes de seus óculos arredondados. Um sorriso evidente. Ela não sabe disfarçar suas emoções. Começa a andar ligeiro, antes que ele atravesse a rua para o próximo calçadão e desapareça em meio à multidão pronta para atravessar. Esse homem achava-se com os cabelos negros arrumados de uma forma linda, diferente. Peculiar. Pele clara de bochechas rosadinhas. O frio o havia queimado também. Jaqueta de couro preta, óculos bem escuros,  uma boca... Tão difícil de descrever. Indescritível porque havia sido desenhada com muito capricho pelo Criador. Mãos no bolso da calça... Seria ele seguro também?! Ela sabia que sim. Porque ele havia sido sua segurança. E quanto mais rápido ela anda,  percebe que ele está confuso. Ele pega um celular branco, o atende e começa a falar. A moça de vermelho corre em sua direção, mas ele não a vê. E anda para o outro lado, sem notar o ônibus que vinha em alta velocidade, sem parar. Ela já estava tão perto que não podia acreditar. E vendo o ônibus verde com teto aberto vindo rapidamente, pula e puxa com toda a força o braço revestido de couro para perto de si, na calçada. E em um milésimo de segundo, o tal veículo passou. Como se o tempo tivesse acontecido mais devagar, só para ela conseguir toma-lo de volta. Puderam sentir o vento forte que o ônibus de pertinho trouxe. Assustado, com coração batendo a mil, ele começa a agradecê-la olhando para a rua, sem notar quem era ela. Então, a moça, sem esperar mais nenhum momento, o abraça muito forte e o agradece por estar vivo e ali. O homem então reconhece a sua voz. Solta seus braços e tira os próprios óculos. Ele não podia acreditar no que estava vendo. Ele sorriu, e ela pegou em sua mão direita e o guiou até perto do chafariz, um lugar mais seguro. Estava ainda chocado.

Então ela começa a falar e falar, que é a sua especialidade, com um sorriso que não podia conter. Ele então a abraça, e gira por vários segundos. “É como um sonho” ela pôde ouvir de seus lábios. E eles riam atoa. Quando param de girar, ele passa a mão sobre seu rosto, olha profundamente em seus olhos. E a beija, um beijo frio por fora e quente por dentro, um beijo esperado, um beijo guardado por muitos longos dias, onde a geografia não permitiu que acontecessem mais. E sim, os transeuntes observavam, mas eles simplesmente não se importaram. Viveram aquele beijo como que em câmera lenta. E começaram a sentir gotas grossas e geladas caindo vagarosamente como folhas de outono, que vai pegando velocidade e atingindo qualquer coisa que esteja embaixo. As pessoas começam a correr, se esconder. Outras, prevenidas, abrem os guardas chuvas e continuam sua corrida pela vida. Eles olham para cima, em agradecimento. Olham um para o outro, sorriem e beijam-se novamente. Estava realmente muito frio, mas o sentimento que ardia dentro deles não permitia que aquilo fosse “uma aventura congelante”.  Cabelos molhados, casacos encharcados, pelos arrepiados. Sorriso eterno, e o início, aliás, continuação, de uma das mais lindas histórias de amor escritas pelo Grande Escritor, àquele que sabe o que faz e a hora certa em que os ponteiros devem se cruzar em meio a loucura com a qual o tempo, sem dó, voa.

Caroline Lopes Barbosa !