DEPOIMENTO

29/04/2015 03:00

    Como em muitas famílias, meu pai era fumante. Lembro que quando pequena eu ia comprar na maior alegria um maço de cigarros para ele, porque sabia que iria ganhar um “doce” depois. Mas com o passar do tempo isso mudou, já não sentia mais vontade de ir, nem ganhar algo em troca do “favor”, porque mesmo sem entender muito, sabia que isso fazia mal. Embora tão novo, já não aguentava mais brincar comigo como antes, pegar-me no colo e foi aí que percebi como era a verdadeira face de um fumante.

    Foi assim durante anos, como já era previsto a saúde do meu pai não melhorou, pelo contrário, e por isso teve que parar de trabalhar e com 45 anos se aposentou por inválido. Como era triste ver meu pai depressivo pelos cantos, por agora “ser inútil” – dizia ele, quando tentava fazer algo. Ele sabia qual era a resposta para tudo isso, mas mesmo assim fingia que não.

    Certo dia, na minha festa de aniversário, estava completando 7 anos de idade; ligaram em casa dizendo que meu pai passou mal e foi internado às pressas. No início fiquei preocupada, mas logo esqueci, afinal tinha tanta gente na festinha... Mas no outro dia, logo de manhã minha mãe saiu comigo e meu irmão. Pensei que íamos passear, mas quando chegamos o lugar não era o que esperávamos. Era um hospital, no qual o paciente entubado era o meu pai. Levamos um grande susto.

    Depois de alguns dias no hospital, entramos para visita-lo, e a primeira coisa que dissemos foi para que ele parasse de fumar e voltasse a brincar como antes com a gente. Fomos para a casa e, no dia seguinte, ele chegou e nos chamou para um comunicado. Nos disse que no leito de dor, reconheceu como Deus o amava e pediu mais uma chance, dizendo então que iria parar de fumar. Foi a notícia mais esperada por minha mãe por nós.

    Realmente foi um período de muitas mudanças, incluindo a nossa para outra cidade. Muitas coisas começaram a acontecer, mudamos de casa, mudamos muito nossos hábitos e o melhor, íamos a igreja sempre e Deus passou a ser nosso fiel companheiro.

    A doença de meu pai chamava-se Efisema Pulmonar. Devido às mudanças que fizemos a doença estacionou e a partir daí vivemos momentos maravilhosos.

    Mas apesar de tudo APARENTEMENTE ter melhorado, as consequências ficaram. Já com 16 anos de idade, presenciei muitas recaídas de meu pai, mas nunca como certa vez. Lembro-me como se fosse hoje: Eu, minha mãe e meu irmão revezávamos para ficar com ele no hospital, o qual passou a ser nossa segunda casa. Sua doença aos olhos dos médicos já não tinha solução, mas como confiamos muito em Deus, eu e minha família colocamos Deus como nosso melhor médico.

    Foram dois anos de muito desgaste, desânimo, tristeza, gastos...

    Mas sempre cuidamos dele com muito amor.

     E exatamente em um ano e seis meses ele ficou totalmente debilitado, sobrevivendo com ajuda de tubos de oxigênio. Cuidávamos dele como se fosse um bebê, e foi assim por dois longos anos.

    Já fazia um mês que ele estava internado em casa, fizemos  do quarto um hospital para que ele pudesse se sentir o melhor possível. Passado alguns dias, eu já com 18 anos e não mais uma garotinha que não sabia das coisas, entendi que a qualquer momento o que menos queria poderia acontecer.

    Então, dia 04 de Maio de 2009, meu pai veio a falecer...

    A dor da perda é muito forte, e o sofrimento que ele passou, pior ainda. Muitas vezes encontrava minha mãe chorando pelos cantos. Muitas vezes meu pai queria levantar, ir lá fora ver o céu mas, não podia, por possuir feridas pelo corpo todo. Uma dor sem tamanho eu senti por ver ele naquela situação. Por isso sempre digo que o que fazemos hoje, talvez não vejamos agora, mas as consequências virão no amanhã. Muitas vezes, por mais que mudemos, não é suficiente. As consequências ficam e perduram por toda a nossa vida.

Bruna Coutinho

2009

 

NOTA: Este é o depoimento de uma grande amiga minha que escreveu para eu usar em um trabalho sobre narcóticos, quando eu  estava na 7ª série, 8º ano do ensino fundamental. A história é verídica.

Caroline Lopes, 2015.